Trecho do Soneto 47 de William Shakespeare

Quando me tratas mau e, desprezado,
Sinto que o meu valor vês com desdém,
Lutando contra mim, fico a teu lado
E, inda perjuro, provo que és um bem.
Conhecendo melhor meus próprios erros,
A te apoiar te ponho a par da história
De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.
Mas lucro também tiro desse ofício:
Curvando sobre ti amor tamanho,
Mal que me faço me traz benefício,
Pois o que ganhas duas vezes ganho.
Assim é o meu amor e a ti o reporto:
Por ti todas as culpas eu suporto.


Entre a minha vista e o meu coração estabeleceu-se um acordo,
E agora cada qual faz ao outro um favor:
Quando meu olho está faminto por um olhar
Ou o coração almejando amar com suspiros que ele mesmo abafa,
Com o retrato do meu amor, então a minha visão entra em festa,
E ao banquete esboçado convida o coração:
De outra feita, o meu olho é o hospede do coração,
E em seus pensamentos de amor colabora:
Assim, quer seja por teu retrato, ou por meu amor,
Estás mesmo longe, presente sempre ainda comigo:
Pois não estás mais distante que ao alcance dos meus pensamentos,
E eu estou unido com eles, e eles contigo;
Ou se eles dormem, teu retrato na minha vista
Desperta o meu coração para alegria de vista e coração
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